O Poder da Mídia

No que compreende a comunicação de massa podemos buscar uma compreensão da construção do Estado atual como o aparato difusor da hegemonia dominante. Isso ocorre através dos instrumentos de reprodução simbólica do sistema de ideias presente.

Ciro Marcondes Filho (1989) diz que o jornalismo, normalmente, atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas e particularistas, o foro da objetividade. O jornalismo, ao atuar de acordo com os poderes econômicos e políticos, funciona como instrumento para difundir os seus interesses de classe e transformá-las em senso comum, assim, a imparcialidade se torna impossível.

Nessa perspectiva, o autor apresenta uma relação de jornalismo e poder, afirma que a classe dominante em qualquer sistema econômico, ao se apropriar dos seus meios de produção, passa também a influenciar, direta ou indiretamente, tudo o que é produzido dentro da esfera da comunicação social.

A imparcialidade apresenta-se apenas como mero discurso reprodutor de uma ideia que a objetividade deve ser perseguida por meio de concepções impregnadas de valores morais pertencentes à ideologia vigente, os quais os grupos financeiros e políticos desejam transmitir as notícias à opinião pública.

A mesma massa que segue é influenciada pelos formadores de opinião, que agem no interior dos meios de comunicação, colocando a população na posição de passividade. Uma vez que está excluída do processo de decisão sobre o que é verdadeiro interesse público. De acordo com Marcondes Filho (1989), estamos sujeitos à chamada que apresenta notícias ao público, de forma sensacionalista, que atemorizam, misturadas em outras amenas e superficiais, que tranquilizam.

Ao se fragmentar a informação, a verdade fica distorcida para se transformar em notícia e se adaptar às concepções mercadológicas, políticas e ideológicas do veículo jornalístico.

A própria formação da imprensa em geral exige que esta mantenha um controle sobre os seus receptores. É comum observarmos a despolitização por parte de grande parte do público. Isso decorre da cultura de acomodação como afirma Ciro Marcondes Filho (1989), na qual atemoriza-se e logo depois se tranquiliza o receptor da notícia, com as soft news se contrapondo às hard news.

É fundamental para a existência da imprensa essa tranquilização, esse “equilíbrio” que o público é levado a ter para que continue consumindo os jornais e produtos anunciados. E, sobretudo, não se rebele, não se insurja contra o establishment, dando aos jornalistas a função de denunciar, se indignar e “agir” em nome dele. Assim, o público não questiona as informações que vem dos meios de comunicação e as aceitam, como se estas fossem as únicas verdades.

A dependência da imprensa nos países em desenvolvimento ainda é maior por conta de um Estado subserviente às elites dominantes, como o que acontece no Brasil. Roberto da Matta (1979) diz que a sociedade brasileira se divide em duas coletividades, um Estado Nacional moderno e igualitário que nasce a partir da proclamação da república, com inspiração no modelo do individualismo burguês norte americano e uma Sociedade Hierarquizada, devido ao fato de termos sido colônia de exploração das grandes metrópoles da Europa. Assim, ainda hoje as elites dominantes reproduzem os seus valores simbólicos dentro da ideologia dominante. 

E como, de acordo com a Escola de Frankfurt, os meios massivos são braços difusores de ideologia, a situação de manipulação da opinião pública é ainda mais evidente num país em que os veículos de informação estão concentrados nas mãos de um grupo reduzido de “famílias” poderosas.

Em outra visão, Kleber Mendonça (2002, pg. 47) diz, em seu livro A Punição pela audiência, que “a prática jurídica hierarquizada - que impede que um juiz ou um jornalista fique preso numa cela comum - é dissimulada em um conjunto de leis fundamentadas no direito universal de igualdade”. E com esses valores transpostos “mecanicamente” de países desenvolvidos para a realidade brasileira, fica difícil não haver uma manipulação maior do que é produzido pelos meios de comunicação, totalmente constituído de uma elite privilegiada.

Existe um conflito, na sociedade brasileira, entre lei democrática e prática hierárquica, segundo Kleber Mendonça (MENDONÇA, Kleber, 2002), cujo objetivo principal é manter implícitos o conflito e a estrutura desigual da sociedade. 
Ainda segundo Kleber Mendonça (2002, pg. 48), a imprensa brasileira percebendo essa contradição, atribui a si a urgência de resolver o problema. Com isso, a imprensa pratica o mesmo que diz ser contra, já que se coloca contraditoriamente acima do poder e dos reais interesses do público. Assim dentro dessa prática oportunista, a imprensa faz, com mais facilidade, o jogo do lucro dos agentes econômicos na sociedade brasileira, o jogo dos grupos que detêm os poderes políticos.

Pierre Bourdieu afirma que a desigual distribuição dos elementos de produção é o que faz com que a vida política seja descrita na lógica da oferta e da procura, portanto, o mundo político é o lugar onde se dá a concorrência que há entre os agentes envolvidos, produtos políticos, análises, programas comentários, conceitos, entre os quais cidadãos, devem escolher a melhor opção. Trata-se de um “mercado de bens simbólicos”.

Portanto, a possibilidade de engano é maior na medida em que alguém se encontre cada vez mais afastado do conhecimento político mais profundo. O público acaba não por ter vontade própria, ele apenas reproduz o que lhe propõem como sendo de seu interesse, exatamente por este motivo, que uma dona de casa, ou um operário não politizado, quando assistem o fato da queda do muro de Berlim, comemoram, sem saber o processo da produção daquela notícia, além das razões ideológicas pela derrubada do sistema socialista.

A derrocada do socialismo no leste europeu por exemplo é apresentada de uma forma errônea, descontextualizada, como vários outros fatos sociais, políticos e econômicos traduzidos de forma tendenciosa pela grande imprensa.

Os jornalistas não reivindicam uma imprensa que exalte, ou abrace concepções políticas, mas apenas que deem ao público material noticioso de qualidade que o permita fazer sua própria análise.

Célio Azevedo.

Jornalista e escritor.

Trecho retirado de seu livro "
A Cobertura do JB e do Globo da Queda do Muro de Berlim (1989) e do Fim da URSS (1991)
", de 2006.